Anos 80

A Década Perdida

Rock que Grande cara-de-pau do Sul

Rock gaúcho dos anos 80. Afinal, isso existe? Não seria apenas uma alucinação coletiva? Nós, da ZeroZen, infelizmente acreditamos que não, e — corajosa e destemidamente— vamos revelar partes de um passado que muito gaudério faz questão de esquecer.

O engraçado é que no início da década de 80 quem mandava no Estado eram os criadores da MPG (Música Popular Gaúcha). Gente que conseguia fazer uma música popular super-ultra chata, mas com o mérito de ser gaúcha. Muitos deles resistem até hoje: Nei Lisboa, Bebeto Alves, Jerônimo Jardim, Nelson Coelho de Castro, etc. Outros se foram sem deixar uma obra consistente e servem como mero exercício de saudosismo como Hermes Aquino (aquele da Nuvem Passageira) e Carlinhos Hartlieb.

Os grandes responsáveis pela explosão roqueira que surgiria alguns anos depois foram os colégios— principalmente o Rosário, o Anchieta, o IPA e o Israelita. Nestas instituições, que deveriam ser pilares da educação gaúcha, várias bandas começaram suas carreiras, revelando autores e músicos mais ou menos obscuros como Carlos Eduardo Miranda, Marcelo Truda, Laura Finochiaro, Lory Finochiaro, Ivo Eduardo, Justino Vasconcelos e Léo Henkin.

Entretanto, uma inocente vinheta de um programa de TV deflagaria o melhor e mais contundente sinal do que estava por vir. Era a hora e a vez do programa "Pra Começo de Conversa", na TVE, que tinha como música de abertura, "Reverber" do Taranatiriça.  "Reverber" foi não só o primeiro sucesso do Taranatiriça, como o primeiro sucesso roqueiro da década de 80. Uma curiosidade: Reverber foi a primeira música a rodar bem na Bandeirantes Cultura Pop (a primeira FM pop-rock de Porto Alegre e embrião da futura Ipanema FM) . A Bandeirantes, pasmem, chegava a fazer um programa basicamente com rock pesado internacional nos fins de noite.

Enquanto isso o BR-Rock surgia com força total, catapultando o rock brasileiro para as paradas de sucesso. Julio Reny, com aquela incomparável voz fanha, aparece para os conhecidos do seu bairro com o show "Histórias Acústicas de Uma Guitarra Elétrica". Na noite de Porto Alegre o Ocidente e a Osvaldo Aranha começavam a conhecer o seu apogeu.

Os "hits" da Bandeirantes eram "Reverber" (Taranatiriça), "Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina" (Nei Lisboa) e "Cine Marabá" (Julio Reny), isso no distante ano de 1982 . Também foi o ano do Cio da Terra, em Caxias do Sul, uma espécie de encontro da juventude universitária, tentava reviver o sonho de Woodstock. Reza a lenda que os frutos desse festival só foram sentidos 9 meses depois...

No ano seguinte os roqueiros gaúchos começaram a se reproduzir como praga: Garotos da Rua, Replicantes, Urubu Rei, Engenheiros do Hawaii, Fluxo, Atahualpa y Os Panques e Prisão de Ventre, DeFalla, TNT. A diversidade musical desses grupos nada tinha a ver com qualidade, mas a crítica gaúcha continuava (e continua) omissa.

Era um momento onde predominavam as danceterias. Lugares depravados, cheios de jovens emaconhados e gente que oferecia boletas. Todos esses inferninhos tinham uma única finalidade: eram o local onde os guris iam para "agarrar" as gurias. Coisas do arco-da-velha como Taj Mahal , B'52, Crocodilos, Kafka Bar, Theatro Mágico, Opinião, Terreira da Tribo, Escaler e por aí vai.

O rock gaúcho literalmente explodiu (o saco , a paciência e o ouvido dos que sobreviveram à época) entre 84 e 85. A gravadora Acit, de Caxias do Sul, lançou a antológica coletânea "Rock Garagem", reunindo doze bandas. Uma coletânea imprescindível para entender não só o que foi o rock gaúcho, mas também para entender o que foram os anos 80. Sintam os participantes: Taranatiriça, Urubu Rei, Garotos da Rua, Replicantes, Astaroth, Leviaethan, Frutos da Crise, Fluxo, Valhala e Moreirinha e Seus Suspiram Blues. Um verdadeiro massacre sonoro.

Curiosamente, como uma tentiva de copiar o Circo Voador do Rio de Janeiro, foi montada uma grande lona de circo para shows na Cidade Baixa. Surgia assim, o Escaler Voador. O Escaler Voador, felizmente, não decolou e acabou em um menos de um ano.

Em 85, a saga do rock gaúcho ganhava o reforço de duas coletâneas: a "Porto Alegre Rock", da gravadora Pialo, que continha músicas de Fughetti Luz, o carimbador maluco do rock dos pampas, Byzzarro (remanescente dos 70), Vôo Livre, Astaroth, Bandaliera, Pupilas Dilatadas, Sodoma, Lionel Gomes e V-2. Um lixo total. O Bandaliera, no mesmo ano, chegou a ( sabe-se lá como) a gravar dois discos. Mas o melhor da safra foi a coletânea "Rock Garagem II" investia numa diversificação (leia-se balaio de gatos) maior do que a do primeiro disco. Só uma música da Banda de Banda já valia o preço do LP: era Com Caína. Tudo por causa da clássica frase: " o baterista não veio por que saiu Com Caína. Coisas da década de 80...

No glorioso ano de 1985, o Taranatiriça cometeu o seu primeiro Lp. A música Roquinho (o nome já diz tudo) tocou sem parar nas rádios. Por incrível que pareça o provincianismo chega ao ápice e as bandas gaúchas são um sucesso. Garotos da Rua com "Sabe o que acontece comigo," Relicantes com "Surfista Calhorda" e "Nicotina" são outros exemplos. Os Replicantes, aliás, chegaram a pretensão suprema de criar o seu próprio selo, o Vortex . Acabaram produzindo várias bandas, entre elas: Graforréia Xilarmônica, Smog Fog, Pére Lachaise.

Outro motivo para o ano de 85 ficar na história foi a realização dos maiores eventos de rock que Porto Alegre já tinha visto. Quem se lembra do Rock Unificado (Humberto Gessinger cantando com um impagável óculos Rayban)? As três edições do evento chegaram a conseguir um público de 10 mil abnegados. Vale citar ainda o Rock Sul Concert, realizado no Gigantinho.

Era chegado o momento de exportar o rock gaúcho para além das fronteiras do Mampituba. A grande culpada disso foi a gravadora RCA Victor, que crou um selo chamado Plug, e contratou cinco bandas (Engenheiros do Hawaii. DeFalla, Garotos da Rua, Replicantes e TNT) e as lançou no mercado nacional, em 86. Tudo foi feito através da coletânea "Rock Grande do Sul". Assim as bandas acabaram gravando discos solos e – benza Deus! – se transferiram para o Rio de Janeiro.

De todos que se foram, só o Engenheiros do Hawaii conseguiu um sucesso relativo, tinha um pop romântico, com toques de Ska (tanto que no primeiro Lp eram chamados de Os Paralamas do Sul). Já no segundo trabalho a história seria bem diferente, Humberto Gessinger contaria com o reforço da guitarra precisa de Augusto Licks e o grupo se aproximaria do rock mais tradicional. Na seqüência, o grupo emendaria um trabalho pior do que o outro, mas isso já é outra história...

O Rio Grande do Sul continuava espraiando suas bandas de rock pelo país. O De Falla chegou a ser eleito como melhor grupo do ano de 86 pelos críticos da revista Bizz. Uma dissidência do rockabilly babaca do TNT gerou os Cascavelletes, com um rockabilly mais encorpado, um pouco mais forte, mas, no fim das contas, igualmente babaca. Em 87, uma das mais duradouras pragas gaúchas surgia para acintar os ouvidos mais afoitos. Era o Nenhum de Nós, com o hit do ano (e do grupo) Camila, Camila. Tempos depois, a trupe de Thedy Côrrea cometeu uma inesquecivelmente patética versão para Starman de David Bowie.

Outra coletânea na linha balaio de gatos foi lançada no mercado em 87. Chamava-se Rio Grande do Rock. No disco surgiam para o mundo bandas como Justa Causa, Apartheid, Prize, além dos já conhecidos Cascavelletes,  e Julio Reny & Expresso do Oriente. A década estava acabando, mas a capacidade do Rio Grande do Sul em lançar bandas esquisitas estava longe de terminar. Ainda teriam seus 10 minutos de fama coisas como Barata Oriental, Colarinhos Caóticos, Dedé e os Ajudantes, Off the Wall (que fazia a uma surf music, cantando todas as músicas em inglês) e Rosa Tatooada (que fazia um rock medíocre na linha do Guns'N' Roses).

Duas vertentes completam o que foi o rock gaúcho da década de 80. Primeiro: o heavy metal representado Astaroth e Leviathan. Não eram melhores nem piores que as bandas cujo som tentavam imitar, apenas tão chatos quanto. Porto Alegre ainda conseguiu achar um espacinho para o reggae, a música dos preguiçosos. Um pessoal tão devagar que lançou somente uma coletânea, a Porto Reggae, que registrou quatro representantes do estilo: Motivos Óbvios, Produto Nacional, Bebeto Alves Troupe e Facção Brasil.

J. Tavares

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