Quem está censurando os grandes jogos?

A nuvem negra da censura e do cerceamento à liberdade de expressão, paira sobre o mercado de games brasileiro. Depois da proibição, em território nacional, do jogo de corridas Carmageddon em dezembro de 97. Agora é a vez de Grand Thief Auto, conhecido pela sigla GTA, ser censurado antes mesmo do seu lançamento.

Talvez o internauta incauto se pergunte o que esses jogos têm em comum, além das horas de diversão e lazer que eles proporcionam. O simples fato que em ambos, você pode atropelar pedestres indefesos e cometer toda uma série de transgressões não permitidas aos cidadãos comuns e respeitadores da lei.

Pois não é que o Ministério da Justiça resolveu proibi-los alegando para isso que ambos jogos poderiam— eu disse poderiam, não existe uma prova concreta deste fato— incitar a violência? E para isso o Ministério baseou-se no patético Código de Defesa do Consumidor no qual é crime "fazer propaganda abusiva de forma prejudicial a sua saúde ou segurança"(?).

Do que se pode concluir que o Ministério da Justiça considera o consumidor de games um débil mental de marca maior, do tipo que expele uma grossa baba enquanto rumina na frente de seu computador, que seria incapaz de discernir entre o que é ficção e o que é realidade; entre o que é certo e o que é errado.

E assim sendo nosso governo paternalista e retrógrado se acha no direito de intervir em nosso lazer, decidindo arbitrariamente quais jogos seus "filhos" devem ou não jogar. Ora se vão nos tratar como crianças devíamos entrar na justiça e pedir uma mesada para o Estado.

Mas o que tem de especial esses jogos para o governo resolver censurá-los. O Carmageddon que já foi resenhado nessa impoluta revista, é uma corrida de carros onde conta-se pontos pelo números de pessoas atropeladas e carros destruídos. Foi com justiça considerado um dos melhores jogos lançados ano passado.

Já em GTA as coisas são um pouco diferentes. Você é um ladrão de carros que trabalha para gangsters e vai fazendo durante o jogo uma série de atos ilícitos. Você percorre cidades inteiras fugindo da polícia, roubando carros, atropelando pedestres desavisados ou mesmo servindo de motorista para mulher do patrão, que tem um encontro com o seu personal trainer.

Como não adianta argumentar com essa gente, é inútil dizer que a policia se faz presente em ambos os jogos. De maneira um tanto quanto discreta no Carmageddon, mas com um papel fundamental no GTA. Onde atropelar pedestres é até um mal negócio, pois atrai atenção da polícia, que começa a persegui-lo furiosamente, o que resulta invariavelmente na sua prisão ou morte. Além disso é sempre preferível se entregar a polícia do que enfrentá-la.

Foi dito que uma das razões para a censura do Grand Thief Auto foi que o jogo "ensinava as pessoas a roubarem carros"(?). Além de ser uma afirmação desmedida e errônea, qualquer reportagem do Fantástico ou Globo Repórter, por exemplo, sobre o roubo de carros, é muito mais didática e esclarecedora no que diz respeito à arte de ‘puxar’ um carro.

Com esta medida o governo abriu um precedente para a censura não só de jogos como de livros, filmes e cds. Se formos aceitar o argumento do Ministro da Justiça para a censura. Como justificar que o filme Death Race 2000, Ano 2000 Corrida da Morte, de 1975, com Silvestre Stallone e dirigido por Paul Bartel, no qual Carmageddon seria inspirado, esteja liberado para a exibição no país. Afinal o filme, que é um clássico da cultura trash, tem o mesmo enredo do game, onde atropelar pedestres conta pontos e é mais importante que a corrida em si. O filme foi lançado em vídeo no país alguns anos atrás e com alguma sorte ainda pode ser encontrado nas locadoras. Inclusive Death Race 2000 teve uma continuação Cannoball, O Grand Prix da Morte do mesmo diretor também lançado em vídeo, mas com o título de A Corrida do Século.

Sem nos aprofundar no assunto basta lembrar que mais da metade dos filmes americanos fazem propaganda, beirando a apologia, da violência, da destruição da propriedade alheia e do banditismo.

Mas vamos além, na literatura teríamos simplesmente que voltar a queimar livros em praça pública. Só para dar um exemplo, ainda no campo automobilístico, no livro Feliz ano Novo, de 1975, o autor Rubem Fonseca nos contos Passeio Noturno I e II narra a história de um empresário carioca que tem como passatempo noturno atropelar pedestres com seu Jaguar importado. O livro que esteve censurado durante o regime militar, poderia muito bem ser censurado de novo se fosse seguida a mentalidade tacanha do governo.

O pior nessa história toda, não é a arbitrariedade da justiça e o despropósito de uma ação criminosa de censura como essa. Mas sim o vergonhoso silêncio de consentimento e omissão de grande parte de nossa imprensa. Notem que a proibição de um jogo para computador, até então, era algo inédito no Brasil, e infelizmente ao que parece correr o risco de se tornar uma rotina. Algo assim mereceria bem mais que as esparsas linhas que nossa imprensa dedicou de maneira parcial e evasiva.

A verdade é que existe em nossa imprensa um grande número de jornalistas que acreditam que esse tipo de censura seja correta. Resquícios talvez do conservadorismo e do autoritarismo do regime militar.

A proibição desses jogos é totalmente baseada em prerrogativas preventivas, não em fatos. Pelo que se sabe não se tem notícia de ninguém no mundo todo que tenha jogado algum destes games e tenha saído roubando carros, atropelando mulheres grávidas ou velhinhas.

Se o jogo é violento que se proíba para menores de idade— o Carmageddon em sua edição nacional vinha com uma inscrição na capa desaconselhando a venda a menores de 21 anos!— é uma medida simples que não prejudica nenhuma das partes envolvidas. O melhor exemplo desse tipo de controle é dado pelos Estados Unidos. Onde, apesar de rígida, a legislação não prevê nenhuma forma de censura, mas sim um rigoroso controle da venda dos jogos para menores de idade.

Mas o governo brasileiro ao que parece prefere tratar todos nós como crianças e nos privar de nossa liberdade de escolha. Devíamos, então, voltar a usar fraudas e babador?

Da equipe de Articulistas