O APOCALIPSE DO FUTEBOL

Estão acabando com o futebol. Futebol, pra quem não sabe, foi um joguinho muito legal inventado no século XIX pelos ingleses. A partir do início do século XX, caiu nas graças da galera do mundo inteiro. Era um esporte gostoso de jogar, e qualquer campinho servia. Num país pobre como o Brasil, jogar futebol era uma terapia ao alcance de todos. Claro que logo a coisa começou a ficar séria, e surgiram os clubes profissionais, que fizeram do futebol um espetáculo. O futebol era "o esporte das multidões". Todo mundo gostava, curtia, se divertia.

Só que surgiu então a figura do dirigente de futebol. Deles se originaram também os marketeiros do futebol. Dos empresários. Dos donos de TV. Gente que enxergou no esporte a possibilidade de ganhar dinheiro. E, aos poucos, foram acabando com o esporte mais popular do Planeta. Claro que nem tudo é culpa deles, pelo menos diretamente. Mas fizeram tanta coisa pra acabar com o futebol que o fim está próximo, muito próximo.

Eis aqui alguns fatos que, dentro de pouco tempo, vão banir o futebol da conversa de bar, do programa de domingo à tarde, do nosso convívio:

DINHEIRO ABSURDO – O goleiro terceiro reserva do Grêmio, que entra em campo duas ou três vezes por ano, ganha R$ 20.000,00 por mês, mais do que alguns altos executivos de grandes empresas. Todo mundo entra no futebol apenas pra ganhar dinheiro. Jogar é o de menos. Quando o torcedor vê um profissional que ganha 30, 40 milhões por mês fazer um passe de canela, fica puto e larga de mão. Além disso, como o atleta ganha 15% do valor de cada transferência, o melhor negócio que cada um pode fazer é ser negociado todo final de temporada. Se puder ser negociado duas vezes por ano, melhor ainda. Ou seja, adeus aos ídolos, que ficavam jogando pelo mesmo clube anos a fio, e se identificavam com o time. Se você falasse em Pelé, falava em Santos, se falasse em Zico, falava em Flamengo, Falcão era Inter, Dinamite era Vaso, e assim por diante. Esse tipo de coisa nunca mais.

EMPRESÁRIOS – Essa fome por dinheiro começa por influência de empresários. Numa concentração de Seleção Brasileira eles andam aos bandos, correndo atrás dos jogadores, seduzindo-os com promessas de rios de dinheiro. Aí o jogador chuta o balde. Ele quer saber de grana. Pressiona seu clube pra vender seu passe. Aí o clube vende para esse mesmo empresário, que coloca um jogador de Seleção Brasileira em qualquer time da Europa, nem que seja da Segunda Divisão da Grécia. E adeus, craque.

CONCORRÊNCIA ESTRANGEIRA – Tem jogador que faz um campeonato amazonense legal e já acha que vai jogar no Barcelona. A imprensa só colabora. Aí o cara vai pra Europa e some. Fala que não se adaptou. Tá muito fácil ir pra Europa. O que é uma baita grana aqui é troco por lá. Assim até o Fábio Bilica é jogador modelo exportação.

JUSTIÇA DESPORTIVA – Um dos poucos dirigentes lúcidos que já apareceu no futebol brasileiro, ao ser perguntado sobre a possibilidade de perder um título que acabara de ganhar porque o adversário ia apelar no Tapetão, falou: "agora tá o caneco no armário, o bicho no bolso e o povo na rua". No ano passado o Campeonato Brasileiro teve mais audiências que jogos de futebol. E o torcedor se sente cada vez mais iludido. Ele vai pro estádio, gasta um dinheirão, torce, seu time ganha, ele sai feliz, e dois dias depois o time dele perde os pontos porque o adversário descobriu que seu time usou um reserva mal inscrito. O que será que pensou a torcida do Botafogo, que já teve craques como Jairzinho, Gérson e Nilton Santos, vendo seu time ganhar os pontos de uma partida que perdeu de seis a zero porque o adversário usou um JAPONÊS irregular? É de jogar a toalha.

FIM DA VÁRZEA – Em tudo que era biboca tava cheio de campinhos de futebol. Lá qualquer um podia jogar. Alguns montavam times. Havia milhares de campeonatos amadores. Qualquer um podia jogar, e de graça. Agora ninguém pode contar mais com campos à disposição. Que quiser jogar tem de pagar o aluguel de uma quadra de salão ou de uma insossa grama sintética. Abílio dos Reis, hoje em dia, ia sofrer.

ESCOLINHAS DE FUTEBOL – Sabe aquele garoto de dez anos, que joga pra caramba, que toda a rua diz que vai ser um craque? Não vai ser mais. Sabe por quê? Por que o pai dele não tem dinheiro pra pagar uma escolinha. É, craque, hoje em dia, tem de passar por uma escolinha de futebol. Mesmo que ele consiga, se chegar a uma categoria amadora de um grande clube, pode ser dispensado porque tirou 4 em matemática e ficou de recuperação em ciências. É que craque tem de ser bom aluno. Se começasse a jogar futebol hoje, Garrincha jamais iria se tornar profissional.

SUBSTITUTOS – Primeiro foi o futsal. Até aí, tudo bem. Mas aos poucos os craques começaram a jogar futebol society (bleargh!), futevôlei e outras barbaridades. Até futebol de praia virou fonte de renda para aproveitadores e craques de aluguel.

SHOW DO INTERVALO – Ai que saudades do tempo que no intervalo dos jogos na TV só passava os melhores momentos do primeiro tempo. Hoje tem a Cissa Guimarães dizendo "oi, gentiiiiiii!" e sorteando automóvel, o Régis Rösing entrevistando a namorada do Ronaldinho, a Taís Araújo gritando "Vascão!" e fazendo comentários extremamente relevantes para a compreensão da partida e uma reportagem especial sobre Vampeta cantando pagode no videoquê, seu passatempo predileto. O fabricantes de controle remoto agradecem.

CAMPEONATOS CAÇA-NÍQUEIS – Houve um tempo que só existiam os campeonatos organizados por clubes e federações. Aí cada Rede de TV resolveu organizar um campeonato só pra ela. Claro que com o aval das Federações e a omissão dos clubes, seduzidos por prêmios milionários. Os times entravam por convite. Aí surgiram as Copas Sul-Minas, Torneio Rio-São Paulo (bleargh!), Copa Conmembol e Copa Mercosul da vida. Além disso, pra combinar com o horário da novela, a partida precisa começar às 22:00. Um trabalhador que queira assistir no Estádio uma partida, chega às duas da manhã em casa. Um time grande joga cerca de 90 partidas por ano. Metade das partidas sem interesse nenhum. Lesões musculares multiplicam-se. Tudo errado.

A SELEÇÃO DA NIKE – Desde que entrou o "patrocínio" da Nike, a gente tem de agüentar amistosos caça-níqueis da Seleção contra adversários sem expressão, a pretexto de testar jogadores, sendo que quando a competição é pra valer são chamados sempre os mesmos. Ronaldinho, Roberto Carlos, Cafu... Agora em fevereiro iremos assistir a um emocionante jogo contra a poderosa seleção da Tailândia. Enquanto isso os clubes, que pagam o salário dos jogadores, esperneiam, esperneiam mas não podem fazer nada. Não importa que precisem do jogador para disputar a final da Libertadores da América. Nike é Nike, amistoso da Seleção é amistoso da Seleção e o resto que se foda.

CLUBE-EMPRESA E LEI PELÉ – Pelé quer um time de futebol só pra ele. Ninguém quer ficar de fora desse mercado. Só que revelar jogadores é muito caro. Comprar craques idem. Como conseguir grandes jogadores sem gastar um tostão? Simples...é só fazer com que todos os clubes percam instantaneamente os passes dos craques que gastaram anos pra formar ou milhões pra ganhar. E oferecer um salário maior. Essa é a realidade dos clubes-empresas. Os clubes tradicionais vão desaparecer em pouco tempo, dando lugar aos times com nomes de empresas, como acontece nos esportes como basquete e vôlei. Equipes que aparecem e desaparecem quase que instantaneamente, de acordo com os interesses financeiros. Daqui a alguns anos, em vez de torcermos para o Flamengo, Grêmio, Corínthians, vamos torcer para o Parmalat, pro Hicks & Muse, pro ISL...não só pra ganhar o campeonato, mas para que não suma em dezembro porque o departamento de marketing acha que não está dando um lucro razoável.

MUDANÇAS NAS REGRAS – Preparem-se! Há uma corrente nos bastidores do Futebol querendo mudar as regras. Se você estiver assistindo a uma partida na TV de um campeonato que tenha tempo técnico, aquele que os treinadores param as partidas por três minutos para dar instruções, vai verificar que a emissora utiliza esse tempo pra passar um comercial ou dois. Você acha mesmo que esse tempo técnico é realmente pensando nos treinadores, para que eles possam ajustar o time? Puro engodo. É pra botar um comercial, mesmo. Mas o pior está por vir.  Ainda não desistiram, talvez na ilusão de conquistar o público americano, da proposta de mudar de dois tempos de 90 minutos para quatro tempos de 25, semelhante à NBA.  E quando isso acontecer será, realmente, o fim.

Então, só nos restará dizer: adeus, Futebol. Foi um imenso prazer ter lhe conhecido.

Jarbas Schier