Maria Rita – Teatro do Sesi, Porto Alegre

No dia 15 de novembro de 2003, sábado à noite, o Teatro do Sesi estava completamente lotado. A platéia visivelmente emocionada aguardava o ínicio do show de Maria Rita. A filha de Elis Regina se apresentava em Porto Alegre, cidade natal de sua mãe. Muitos já choravam antecipadamente por terem pago exagerados R$ 80 para assistir ao espetáculo.

Maria Rita entrou no palco com a missão de provar que todo público formado por neófitos e saudosistas de Elis Regina estava errado. A cantora tinha de mostrar que possuía luz própria. Infelizmente, mesmo contando com uma absurda boa-vontade e uma devoção tão inexplicável quanto inconcebível, acabou fazendo um show errático e nervoso.

Logo na primeira música, Cupido de Cláudio Lins, a voz de Maria Rita soou quase imperceptível. Os versos “eu vi quando/seus olhos pousaram nos meus /um arrepio sutil” saíram embolados e fora do tempo em um erro típico de uma cantora principiante. Mesmo assim, a platéia reagiu embevecida. Havia algo de estranho no ar.

Logo depois Maria Rita emendou Pagu, de Rita Lee e Zélia Duncan. Mudou a letra e cantou “minha mãe/ é maria alguém” apontando para o céu. A clara referência a Elis deixou o público em estado de graça. Porém novamente a interpretação da música foi nervosa e com vários erros.

E Maria Rita seguiu errando o tom, cantando de maneira assustada. Parecia a um passo de ter um violento ataque cardíaco. Até que chegou a hora de Agora Só Falta Você. Seja pela melodia simples, seja pelo auxílio da platéia, Maria Rita finalmente se desinibiu, relaxou e conseguiu cantar uma música corretamente do início ao fim. O resultado? Um minuto e meio de aplausos ininterruptos.

A cantora parou o show para agradecer. Afinal não é todo dia que você erra tudo e ainda é aplaudida de pé. E Maria Rita foi às lágrimas. “Se eu já estou chorando agora este show vai ser um desastre”. Nada mais profético.

Maria Rita ao vivo mostrou nitidamente que é uma cantora iniciante que não merece o apressado status de diva que a adesista imprensa nacional lhe concedeu. Porém, verdade seja dita, é humilde o suficiente para reconhecer isso. A banda que a acompanha Tiago Costa (piano e teclados) Silvio Mazzuca (contrabaixo) Marco da Costa (bateria) e Da Lua (poercussão) é competente e faz o possível para evitar os escorregões e deslizes da filha de Elis Regina.

Aliás, cabe aqui um parêntese. A imprensa gaúcha afirmou, sem exceção, que o show de Maria Rita desfazia um mal-entendido histórico entre Elis e sua cidade natal. Porém que confusão foi essa?

Simples. Na década de 60 o talento de Elis foi descoberto. Então como estava longe demais das capitais, ela resolveu se mudar para o Rio de Janeiro. E adotou por completo a nova cidade como lar. Ignorou totalmente o Rio Grande do Sul. Tanto que mudou o sotaque e tentava (de maneira ridícula e forçada) falar como uma autêntica carioca.

A coisa até seria suportável devido à qualidade das interpretações de Elis. Mesmo assim, para a cantora não bastava negar sua terra natal. Em várias entrevistas ela fez pouco caso do Rio Grande do Sul. Uma de suas frases preferidas (sempre carregando no sotaque) era: “Maix você sabe, né. Porrrto Alegre é meismo uma província”.

Foi o que bastou para uma torrente de ódio se formar entre Porto Alegre e Elis. Tanto que ela nunca mais fez qualquer show no Rio Grande do Sul até a sua morte. Ou seja, Elis Regina detestava, odiava, os gaúchos. E não há qualquer mal-entendido nisso. São fatos puros e simples.

Porém a história não termina aí. Depois da trágica morte da cantora em 1982, um bando de ripongas sem nada melhor para fazer passou a pichar nos muros do bairro Bom Fim: “Elis Vive”. E de maneira bovina e solícita os gaúchos esqueceram todas as declarações de Elis Regina. Se duvidar, são capazes de acreditar que ela amava tomar chimarrão ou curtia passear no Brique da Redenção.

Este mesmo público covarde, oligofrênico e sem memória, lotou o Teatro do Sesi para aplaudir Maria Rita. De certa forma, os saudosistas de plantão queriam louvar Elis. Contudo, a ZeroZen, a única revista que não imita sotaque de carioca para ficar famosa, acha que daqui a pouco os muros da cidade vão aparecer com dizeres do tipo A Filha de Elis Também Vive...

Maria Rita foi aplaudida em cena aberta mais cinco vezes no show que durou quase duas horas. Em nenhuma delas fez por merecer tamanho afeto e reverência da platéia. Até agora, é pouco provável que ela seja “a cantora que todo mundo estava esperando” como insiste a milionária campanha de marketing da Warner.

Todavia, é muito cedo para tecer um veredito definitivo sobre Maria Rita. Por sorte, ela foi criada por Flávia, mulher de Cesar Camargo Mariano. Teve, portanto, pouco contato com sua mãe. Ou seja, isso já sinal de que é uma pessoa equilibrada. Assim, como Elis negava Porto Alegre para fazer sucesso, Maria Rita pode continuar a negar sua mãe e engordar sua conta bancária. De saudosistas e gente sem memória a província de Porto Alegre está cheia.

Paulo Pinheiro