Carandiru

O melhor crítico de cinema é o assaltante. É o sujeito que bate uma carteira na Cinelândia e se esconde no cinema para fugir da polícia. Se ele gosta do filme, o filme é bom; se não, o filme é ruim.

Nelson Rodrigues

Se você não possui um bom roteiro, conta com um elenco de canastrões e, para piorar, é um diretor incompetente, o que pode fazer para salvar seu filme do desastre total? Fácil. Uma bem engendrada campanha de marketing. De preferência usando todo o poder do pessoal do plim-plim. Pois é isso que acontece em Carandiru, a pífia e patética adaptação do livro Estação Carandiru do Dr. Drauzio Varella (aquele mesmo do Fantástico) dirigida por Hector Babenco.

O dramaturgo Nelson Rodrigues, em mais uma das suas frases de efeito, já afirmava há muito tempo que suas obras só recebiam uma aprovação satisfatória para a tela grande quando um presidiário saísse do cinema satisfeito. Bem, a idéia de Hector Babenco foi exatamente essa. Ser o mais simpático possível com os criminosos, até por que eles são quem sustentam a absurda bilheteria do filme.

Em tese, o filme deveria narrar o dia-a-dia dos presos que habitavam o mais famoso presídio brasileiro. O tipo de coisa que você já viu antes e melhor. Carandiru, entretanto, acabou se tornando mundialmente conhecido por causa de uma tragédia. Em 1992, no meio de uma rebelião, a polícia invadiu a prisão e matou 111 presos. A atitude dos policiais pode ser discutida e questionada, mas as qualidades cinematográficas de Carandiru não. O filme é absurdamente ruim e ponto final.

A história começa quando um Médico (Luiz Carlos Vasconcellos) chega ao centro de detenção para fazer um trabalho de prevenção contra a AIDS. Rapidamente ele descobre que a situação dentro do Carandiru não tá fácil pra ninguém. Dentro do presídio o que vale é a lei do mais forte. Com tanta gente simpática ao seu redor, o doutor poderia ter tomado uma atitude lógica e racional. Ou seja, sair correndo na primeira oportunidade. Mesmo assim resolve ficar e ajudar os presidiários.

Então, acaba por conhecer as inúmeras histórias de vida daqueles que caíram na senda do crime. Como a de Zico (Wagner Moura) e Deusdete (Caio Blat), por exemplo. Eles eram amigos inseparáveis na infância. Com o tempo acabaram seguindo caminhos diferentes. Porém, acabaram por uma coincidência do destino se reencontrando na cadeia. Quem disse que o crime não aproxima as pessoas?

Também existe o ardiloso traficante Majestade (Ailton Graça) um verdadeiro pai de família. Ou melhor de famílias. Suas duas mulheres Dalva (Maria Luísa Mendonça ) e Rosirene (Aída Lerner) disputam até atrás das grades o seu coração. Outro detento que tem história para contar é Chico (Milton Gonçalves). Ele está prestes a ganhar a liberdade e, enquanto isso, passa o tempo fazendo balões. Aliás, a coisa mais próxima que existe de uma interpretação em Carandiru fica por conta de Milton Gonçalves.

Claro que o filme ainda conta a gloriosa história de Lady Di (Rodrigo Santoro) e o enfermeiro Sem Chance (Gero Camilo). Ladi Dy é um travesti vivido com convicção por Santoro. Ele realmente solta a franga. O desempenho foi tão impressionante que ele baniu do trailer a cena onde beija na boca o apaixonado enfermeiro. Até por que se Hollywood visse isso, sua carreira por lá é que ia ficar sem chance. De resto, o público costuma rir das cenas de Lady Di. Isto prova que mesmo quando quer ser um ator sério, Rodrigo Santoro não passa de um canastrão bem-intencionado.

Em Carandiru ainda há tempo para narrar a história de Nego Preto (Ivan de Almeida) que é uma espécie de xerife do presídio e de Peixeira (Milhem Cortaz) um matador com 39 condenações, que procura um alívio para a sua alma atormentada. Vale notar que Peixeira é responsável por um dos momentos mais constrangedores do filme onde Hector Babenco força uma analogia com a crucificação tão banal quanto esdrúxula.

Para piorar as coisas, o roteiro segue uma linha esquemática. Personagem se apresenta, personagem conta a sua história, personagem diz ser inocente. Os diálogos são de uma imbecilidade a toda a prova. Qualquer encenação do Linha Direta tem mais conteúdo. Isso sem falar na contestável versão para o massacre. Quem se lembra do episódio vai perceber que não foi assim que as coisas aconteceram.

Mesmo com todos os defeitos e sua assombrosa mediocridade narrativa, Carandiru caminha a passos largos para ser um dos filmes brasileiros mais vistos de todos os tempos. E isto que a produção brasileira teve concorrer com pesos-pesados do cinema norte-americano (X-men 2, Matrix Reloaded). Conclusão? Com Carandiru, Hector Babenco descobriu o verdadeiro cinema marginal brasileiro...

J. Tavares

(Carandiru, BRA, 2003), Direção: Hector Babenco, Roteiro: Victor Navas, Fernando Bonassi, Hector Babenco, Elenco: Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida, Ailton Graça, Maria Luísa Mendonça, Aída Lerner, Rodrigo Santoro, Gero Camilo, Lázaro Ramos, Caio Blat, Wagner Moura, Julia Ianina, Sabrina Greve, Floriano Peixoto, Ricardo Blat, Vanessa Gerbelli, Leona Cavalli, Milhem Cortaz, Dionísio Neto, Antonio Grassi, Enrique Diaz, Robson Nunes, André Ceccato, Bukassa, Sabotage, Rita Cadillac, Duração: 146 min

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